Entrevista a Luís Capucha - Presidente da Agência Nacional para a Qualificação, I.P.
Que balanço faz, até à data, do programa Novas Oportunidades?
A Iniciativa Novas Oportunidades criou um movimento social sem precedentes em Portugal de procura de qualificações, e em particular de qualificações escolares. São mais de 950.000 as pessoas que se inscreveram em Centros Novas Oportunidades ou em cursos de Educação e Formação de Adultos, das quais mais de 300.000 foram já certificadas. No eixo dos jovens, ameta de se atingir em 2010 um número de alunos a frequentar o ensino secundário nas vias profissionalizantes idêntico ao dos que frequentam as vias científico-humanísticas foi já alcançada este ano. Este movimento resulta de quatro factores-chave: desde logo, a Iniciativa corresponde a uma grande necessidade do país e das pessoas, dados os baixos níveis de qualificação da população portuguesa, num contexto em que cada vez mais o mercado de trabalho e a participação social exigem mais conhecimento e aprendizagem permanente. Em segundo lugar, as pessoas ganharam uma percepção nova da importância que tem para si este regresso à escola ou, no caso dos jovens, a conclusão do secundário. Sentem-se mais realizadas pessoalmente, mais valorizadas socialmente e também melhor preparadas para enfrentar os desafios sempre novos de uma economia em rápida mudança. Um terceiro factor relaciona-se com a qualidade das respostas. Uma boa parte das medidas que integram a Iniciativa já existiam. Mas em muito pequena escala e sem a ambição de abrangerem a globalidade da população. Outras, como o ensino recorrente, tendiam a reproduzir o ensino típico de crianças e jovens, desadequado a adultos, que têm experiência e competências adquiridas ao longo da vida, um modo de aprender diferente e condições de vida que obrigam a conciliar os estudos com outras responsabilidades. A Iniciativa disponibilizou em todo o país respostas adequadas à educação-formação de adultos. Acrescente-se a este conjunto de realidades a constituição de um novo grupo de profissionais, o dos técnicos dos Centros Novas Oportunidades, quase todos jovens com grande disponibilidade, muito brio e empenho profissional, e percebe-se porque é que as coisas funcionam. Funcionam também, e este é o quarto factor, porque um conjunto muito vasto de agentes perceberam a importância decisiva da batalha das qualificações e da reposição de justiça em relação a pessoas que deram o melhor de si ao país, trabalhando, mas não tiveram oportunidade de estudar e completar níveis adequados de certificação. Trata-se de escolas públicas e escolas profissionais, centros de formação profissional, associações, autarquias e empresas. Que em muitos casos operaram verdadeiras revoluções tranquilas nos seus projectos para poder assumir o seu papel e tornar a Iniciativa Novas Oportunidades num Programa com carácter nacional em toda a amplitude do termo.
Que impacto tem este programa tido na qualificação dos activos portugueses?
Destacarei apenas cinco aspectos, a título exemplificativo. Primeiro: a expansão da oferta e da procura das vias profissionalizantes pelos jovens permitiu reduzir para metade o abandono escolar precoce e tornou possível (isto é, realista) colocar como objectivo a escolaridade de 12 anos como mínimo no nosso país. Segundo: o número de adultos certificados até ao momento é superior ao somatório de várias décadas anteriores ao ançamento da Iniciativa. No final de 2010 teremos certificado quase um terço dos adultos activos com habilitações inferiores ao secundário. Trata-se de um esforço sem paralelo na nossa história. Terceiro: mostrou-se que os portugueses não rejeitavam a escola. Pelo contrário, foram, a seu tempo, rejeitados. Mas agora a escola mudou. Novos parceiros vieram juntar-se-lhe no cumprimento desta missão. As instituições mudaram a suas atitudes face à aprendizagem e as pessoas também. Quarto: são inúmeros os casos de pessoas que, depois de terem concluído um determinado ciclo de estudos, prosseguem o esforço para irem mais longe. Por outro lado, renasceu a procura de cursos de alfabetização. A Iniciativa está a produzir um grande impacto na aprendizagem ao longo da vida em Portugal. Por fim, é hoje conhecido, a partir de estudos académicos realizados na Universidade de Coimbra, que a participação dos adultos na Iniciativa tem um efeito muito positivo no comportamento escolar das crianças e nas suas aprendizagens.
Quando recrutam, as empresas reconhecem os activos que frequentaram o programa?
A Iniciativa Novas Oportunidades não é um programa de modernização das empresas. Outros programas e outras iniciativas terão de contribuir para a mudança do perfil de recrutamento nas empresas, que se liga muito ao perfil competitivo que as caracteriza. Porém, a Iniciativa Novas Oportunidades não é passiva nesta matéria. Desde logo, os diplomas obtidos com a conclusão das suas diversas respostas têm o mesmo valor de quaisquer outros. Todas essas respostas (conclusão do secundário por parte de pessoas que o tinham frequentado, Formações Modulares Certificadas, cursos de Educação e Formação de Adultos, processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências), obedecem a requisitos e a referenciais reconhecidamente exigentes. O esforço necessário para os obter é testemunhado por todos. Depois, as empresas têm aderido à Iniciativa de uma forma que, se não é total, não deixa de ser surpreendente e estimulante face ao que era comum no nosso país. Praticamente todas as grandes empresas, nacionais e multinacionais, estão envolvidas no programa através de protocolos com a ANQ e o IEFP ou da promoção de Centros Novas Oportunidades. São inúmeras as PME que por todo o país estão a trabalhar com a extensa rede de 456 Centros. Não será por falta de oferta que o perfil de recrutamento não subirá. Competenos continuar esta cooperação e assegurar que o capital humano disponível no nosso país está cada vez mais alinhado com as exigências da economia moderna. Espera-se que o contributo da qualificação tenha um efeito positivo e que o exemplo das empresas que já perceberam a importância das qualificações se vá disseminando.
Quais as principais dificuldades por que o programa tem passado?
A Iniciativa Novas Oportunidades é um Programa novo. Teve de passar por um período de implementação, à escala nacional, que envolveu um grande esforço. Foi necessário preparar as organizações, como escolas, centros de formação, autarquias e empresas, para responderem enquanto promotores. Recrutaram-se mais de 8.000 mil pessoas que foi preciso formar e que tiveram de “inventar” um serviço novo. Criaram-se referenciais e competências, definiram-se metodologias e deram-se orientações para o trabalho que exigiram muita imaginação e muito rigor. Isto no eixo adultos da Iniciativa. No eixo ovens foi também necessário preparar equipamentos e recursos humanos para assegurar qualidade na expansão das vias vocacionais. Agora o programa segue em ritmo de cruzeiro, mas o arranque exigiu muito esforço. A outra dificuldade relaciona-se com o preconceito que a toda a hora é necessário enfrentar. A posse de diplomas escolares em Portugal, pela sua raridade, confere vantagens. Quando se multiplicam os que os possuem, surgem certas reacções típicas de quem vê em perigo um monopólio, apesar desse monopólio ter sido construído à custa da exclusão da maioria da população. Estes preconceitos passam com muita facilidade na comunicação social, tanto mais quanto esta tende a ter da escola e das qualificações uma visão elitista. Visão essa também alimentada por certos “opinion-makers” politicamente alinhados, ou mesmo por alguns responsáveis políticos, que procuram retirar mérito à Iniciativa, julgando assim atacar o governo, quando ao fim e ao cabo apenas estão a desdenhar do enorme esforço feito pelas centenas de milhares de portugueses que tiveram a coragem de aderir. Para o futuro esperam-nos novos desafios. Está prestes a ser alcançado a primeira etapa da Iniciativa. Tem sido possível colocar a meta à vista sem cedências no rigor e na qualidade. Mas a breve prazo haverá que partir para uma nova fase, durante a qual, a par da formação inicial dos adultos ainda não qualificados, será necessário preparar os Centros Novos Oportunidades para se tornarem em “portas de entrada” na formação contínua, especializar melhor as respostas em função das características dos diferentes segmentos dos públicos, melhorar os encaminhamentos para respostas de educaçãoformação como os cursos de Educação e Formação de Adultos e reduzir os tempos de espera daqueles que nos procuram.
Que efeitos perniciosos pode ter esta massificação da qualificação?
A massificação não tem efeitos perniciosos. Há muito tempo que a escola portuguesa, como a de todos os países desenvolvidos, deveria ser uma escola verdadeiramente de massas, para todos. O insucesso, o abandono escolar precoce e a exclusão da maioria da população actualmente activa é que tiveram muitos efeitos perversos. Foram injustos para as vítimas e prejudicaram o desenvolvimento do país. Temos de corrigir esta situação com urgência. É uma prioridade nacional absoluta.
Actualmente, ser licenciado já não é sinónimo de arranjar emprego. Em que é que este programa veio mudar a realidade laboral dos activos que não cumpriram a escolaridade mínima obrigatória ou o 12º ano?
É verdade que possuir um diploma de ensino superior ou secundário não dá acesso imediato ao mercado de trabalho numa posição coincidente com as habilitações adquiridas. Em todo o mundo desenvolvido as transições da escola para a vida activa deixaram de ser lineares. Mas é também um facto que os níveis de escolaridade, passado o período de transição, afectam muito fortemente as carreiras profissionais. Estão a desaparecer os empregos menos qualificados, pelo que o risco de desemprego prolongado é maior entre os menos escolarizados. Por outro lado, a progressão salarial acaba por diferenciar de uma forma muito marcada os diferentes níveis de habilitações. Por isso, a escolaridade é determinante para o futuro de cada um. Na esmagadora maioria dos casos as pessoas que passaram pela Iniciativa são empregadas. Tanto essas como as desempregadas dão testemunho de se sentir mais bem preparadas. Lidam melhor com as TIC, dominam melhor as línguas, estão mais capazes de trabalhar em equipa, têm mais confiança em si próprias, mais espírito de iniciativa, melhor capacidade para compreender a inovação e adaptar-se às mudanças. Tudo isto se reflectirá em maior produtividade que permitirá, a seu tempo, aumentar a qualidade de vida e de trabalho. Não são porém raros os casos em que a obtenção dos diplomas permitiu a muitas pessoas serem promovidas, concorrer a lugares que requerem habilitações superiores às que tinham dentro das organizações e empresas em que já se encontravam. E são igualmente muitos os desempregados munidos com os novos diplomas que vêem alargado o campo de lugares a que podem agora candidatar-se. Como disse, este é um programa para a qualificação. Não se lhe peça que seja um programa de modernização das empresas. Mas mesmo assim dá um contributo importante. Muitas pessoas sentiram já os benefícios directos na vida laboral. Mas quase todas se sentem, principalmente, melhor preparadas para agarrar as oportunidades com que venham a deparar-se.
Como vê a qualificação em Portugal dentro de 20 anos?
Ninguém pode dizer como será seja o que for daqui a 20 anos. A minha esperança é que Portugal esteja entre os melhores do ponto de vista da justiça social, da qualidade de vida e do desenvolvimento económico e humano. Para isso é preciso prosseguir o esforço de qualificação de todos os portugueses porque, certamente, isso determinará o que seremos daqui a 20 anos.
Fonte: Especial Novas Oportunidades DN/JN – 18 de Setembro de 2009