sábado, 16 de maio de 2009

VIVER...

"Viver é um treino e uma aprendizagem. É um exercício de meter no possível os nossos sonhos, os nossos desejos e as nossas ambições mas SEM ABDICAR deles. Quando fazemos esta descoberta ainda vamos mais longe; fazemos por tornar os sonhos possíveis. E o que é possível, sempre, é o afecto que damos aos outros"

(António Alçada Baptista, in "O riso de Deus")

"Não se pode viver sem pensar e não se pode pensar sem palavras. Mas as palavras, quando despojadas da vida são a hemorragia, o esvaziamento da alma. A hemorragia das palavras, está a perder a nossa civilização. Os homens e as sociedades estão a esvaziar-se. Vivemos uma existência anêmica porque abusamos das palavras. Os discursos não param. Perdemos a nossa vida em discussões, e em confissões públicas, e em debates, em processos. Vai ver que vamos passar a história com a idade dos processos. Estamos a ser sangrados pelas palavras".

(António Alçada Baptista, in "Os nós e os laços")

"Não é possível contar esta história sem que, uma vez por outra, coisas como a solidão e a morte aflorem às linhas da escrita, mas vou fazer o possível para escrever tudo isso sem solenidade. É que, a certa altura, a vida é outra e o próprio passado não é bem aquilo que a gente viveu porque, em cada tempo, há uma forma de olhar, e aquilo que vivemos não está no mundo, está na maneira como olhámos para ele.É no Outono que a gente é capaz de reparar que a vida não é banal não obstante o nosso quotidiano ter sido de uma banalidade atroz. Acredito que é possível descobrir pedaços de luz no meio de tudo isso. São coisas destas que me levam à convicção de que a vida para que somos feitos não é, de modo nenhum, aquela que andámos a viver. Em rigor, o nosso destino poderia parecer trágico: por um lado, caminhamos inexoravelmente para a solidão, por outro, temos como futuro o esquecimento. Tenho muito a convicção de que somos seres em formação, pois o projecto humano não aponta para aqui. Penso é que ele nos vai sendo revelado por pequenas nostalgias de coisas ainda não vividas, que se exprimem por intuições avulsas e, apesar de tudo, pelo halo poético do mundo, que seria mais visível se acertássemos a maneira como olhamos para ele. Depois também há, felizmente, aqueles que já nasceram mais à frente no caminho do futuro. A consciência da complexidade do viver leva-me a pôr de parte as amarguras e as melancolias metafísicas. Por um lado, sinto que o tempo e o universo me olham com indiferença e distância e que, para eles, a minha história pessoal poderá ser considerada como a daqueles pobres que eu vi a dormir, lado a lado, ao longo dos passeios de Bombaim, quando, uma noite, seguia de táxi para o aeroporto da cidade. Por outro, tenho a simultânea convicção de que tudo o que é importante se forma a partir da consciência da nossa história pessoal, por mais pobre e monótona que ela seja".

(António Alçada Baptista, in "O tecido do Outuno")

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